Anosmia: quando se perde uma identidade

Hoje perdi o cheiro e não me apercebi. Meu anguloso nariz é o mesmo, estruturas e inquilinos, mas o ar não sabe a nada.
Andei horas assim sem saber. Tão estranhamente decorria a minha viagem. Nas ruas calçadas que se cruzavam, via-se fumo a escapar que invadia a cidade com todos os destinos,  vindo de velhos assadores.
Indivíduos sorriam sem aparente motivo. Carregavam sacos de papel, uns livros, alguns cartuxos saídos do mercado.
Passei de bicicleta por umas crianças que esperavam por alguém, sentados nas frescas lajes, numa roupa da tendência, mostrando o ombro, o joelho nu debaixo das calças, pequenas perfurações nos ténis e a pele suja da brincadeira.
Passadas algumas horas, de pequenos sonos embalados pelos carris, chego a casa. Finalmente.
Começo a caminhar sem pensar, sem olhar e, logo a seguir, sem saber como, não conheço tal sítio e estou perdida.
As lembranças tinham-se fechado e não me deixavam espreitar. Ainda perdida, esquecida, deambulei pelo que pareciam jardins, ruas nuas, casas fechadas. Encontrei um pequeno banco escondido então, dominada, sentei-me e cerrei os olhos.
Muitas horas deviam ter passado, o dia devia estar tão escuro como  minha visão, quando senti um leve arrepio que despertou meus poros e contraiu as costas. A seguir, um formigueiro no nariz e o ar soltou-se nessa direcção. Era uma textura quente e que, antecipadamente, me abraçava e, nesse calor sôfrego e doce, me beijava.
Sorri. Abri os olhos e vi-te. Que me envolvias, que me encontravas e deixavas reconhecer a realidade.

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