Sonhos perdidos. quase Esquecidos

Foi um flash de luz doloroso que me abriu a pestana, num susto. A consciência impensada do meu atraso fez-me levantar e, mecanicamente, preparar para sair.
Na minha pressa rotineira passam as horas despercebidas e não mais me lembrarei do que me existiu antes do impetuoso acordar.
Pesava-me toda. Meus ombros caídos, pernas arqueadas e braços em pêndulo, como se me arrastasse pelo passeio. Nem reparei no pequeno peão encarnado que cintilava. E, depois, o choque. Uma força que não resisti, mais um peso sobre mim.
Transportada em grande velocidade, por sirenes embalada, descansei como já não me lembrava.
Caminhava numa bruma escurecida e não sabia onde estava, mas não estava em frenesim. Era uma confiança que não conseguia explicar a mim própria.

Ao fundo, no encoberto, vi uma pequena figura, a sombra de uma menina. Começou a avançar, traquina, e eu também. No meio da cerração, vi o precipício que escavava a terra escarpada à frente dela. Nessa altura corri. Corri. Corri! E lancei-me no abismo. Nas trevas com a sombra, sentia apenas o poder do meu pensamento medroso. No outro momento, estava de novo no extremo do precipício, prestes a seguir a menina. Outra vez e outra. Já não sabia quantas vezes. Numa outra queda, igual a todas as anteriores, rendi-me ao profundo e ao desconhecido e acolhi-os no calor do meu coração.
E voltei, novamente, à superfície. À minha volta elevavam-se árvores, entrelaçadas; aos meus pés um tapete de flores com todas as cores do mundo, banhadas por um fio de água translúcida que corria. À medida que o sol se elevava, imperceptível, comecei a reconhecer o lugar onde estava. Voltara a um sonho perdido. E lembrei: a liberdade no vento, a possibilidade a cada visão, a emoção em toda a inspiração.

Acordei.
Era uma realidade tão insatisfatória, distante. Decorada com máquinas e tons pastel, insípidos. Os meus sentidos eram abafados, as minhas vontades caladas e o meu olhar irreconhecido. Consciente das fronteiras, percebi que aquela realidade não devia ser reprimida e constrangida ao meu inconsciente, que aquele espaço que eu sentira existia, que na enorme diversidade de mundos eu iria encontrar o meu e aprender a levitar.



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